Numa época pautada pelo termo “crise”, em que “as vacas estão magras”, a tradição continua a dar cartas nestas ilhas atlânticas. As promessas feitas em aflição ao Divino Espírito Santo espalham por estes dias fartura pelas ruas e junto aos Impérios, a crentes e descrentes, é distribuído o pão, o vinho e a massa sovada. São festas que apesar da mudança dos tempos se mantêm iguais a si mesmas. São nossas na sua inabalável genuinidade.
Este ano, apesar da chuva persistente, eu e os meus filhos quisemos manter os rituais que desde pequena temos em família e fomos “correr bodos” – como se diz por aqui. Passámos por vários impérios e foi-nos ofertado pão caseiro e pão-de-leite, sem nada pedirmos. A nossa presença constitui alegria para quem com devoção prepara as festas. Inicia-se a missa com o cortejo da coroação, a procissão com os mordomos e os fiéis, a bênção do pão na despensa do império e finalmente a distribuição do pão pelas ruas em açafatas de vimes.
O querer dar sem receber é ainda possível nos dias de hoje.
A banda filarmónica anima a festa. Veem-se os conhecidos do ano passado, pessoas que muitas vezes só encontramos de ano a ano. E é sempre com satisfação que nos vemos e trocamos dois dedos de conversa, quase sempre sobre as nossas vidas: o nosso trabalho e os nossos filhos. Outras vezes, é um regresso a um passado mais longínquo e recordamos amigos de infância, do liceu e da universidade. A uns acenamos apenas, mas outros transportam-nos com os seus diálogos para tempos idos que deixam muitas saudades.
Gosto também destas festas pelas indumentárias. E não devia estar aqui a comentar isto porque nada tem de religioso. Mas é verdade. Estas festas também serviam para as raparigas se engalanarem com os melhores trajes e calçado: por norma vestidos claros ou estampados, fresquinhos na fazenda, pernas de fora e dedos apertados em sapatos de domingo. Confesso que não via a hora de chegar a casa para descalçá-los. Coisas de raparigas que ainda persistem e às quais assisto hoje de calças de ganga e sapatilhas com a maior descontração e com um sorriso saudosista nos lábios.
O pão do Divino




Costumo dizer, a brincar, que sou uma terceirense meio desnaturada. São raras as tradições em que participo. Para não fugir à regra, passei o domingo em casa. Mas lembro-me de participar nestas coisas. E, de vez em quando, se sou convidada para uma “função”, não tenho como fugir 🙂 E lá vou eu, com os meus saltos altos, que raramente são usados ao domingo;) Sim, porque essa mania ainda não me passou 😉
Beijinhos e continuação de bom domingo de bodo.
Ilídia
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E eu a pensar que te ia encontrar junto ao império do Cabo da Praia com o teu tacão de 12 cm a contrastar com a minha sapatilha!:)) Agora a sério, fizeste bem em ficar em casa. Hoje o tempo não esteve para sandálias mas para botas de cano. Até foi hilariante. Nós de chapéus de chuva às portas de Junho. O que é certo é que as condições atmosféricas não afastaram as meninas de vestido e perna de fora. Era vê-las todas encharcadas nas suas toilettes. Mas a roupinha da festa tinha que sair hoje!:))
Um abraço para os três.
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Que coisa tão gira essa de correr os bodos. Estou maravilhada!
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