Lembro-me, como se fosse hoje, do meu primeiro dia na escola primária. Foi diferente e isento de novidade. Já conhecia a escola. Situava-se numa freguesia rural , pertencia ao Plano dos Centenários. Era rodeada por cerrados. Tinha um campo de futebol na frente cercado com rede alta. Era apenas constituída por quatro salas e por um pátio nas traseiras, ladeado por hortênsias e bancsias. Era o local onde os meus pais trabalhavam há vários anos, como professores, e para onde eu ia muitas vezes enquanto eles estavam em reuniões. Conhecia, por isso, todos os cantos daquele espaço. Ficava muitas vezes cá fora a brincar nos jardins. Com paus e folhas criava menus feitos em panelas imaginárias e estendia toalhas fictícias em cima dos muros. Sabia-me entreter, como ouvia comentar à senhora Albertina, única funcionária, e quem obrigava todas as crianças a beber leite branco ,que provinha de grandes jarros de plástico e jorrava para as nossas canecas azúis e vermelhas, também de plástico. Como detestava essa hora do leite. Rara era a vez que não engendrava forma de não o beber ora distribuindo-o por algumas canecas ora trocando a minha caneca cheia com a do colega do lado. Abominava o cheiro das canecas, mesmo depois de lavadas. Era um odor entranhado e indescritível que roçava o azedo. O primeiro dia do primeiro ano não foi então novidade. Nem a professora foi elemento surpresa. Seria a minha mãe. Já o sabia. Nessa altura era permitido. Uma dualidade difícil de gerir e digerir para uma criança de seis anos.
Hoje vivi o meu primeiro dia através dos olhos da minha filha, como penso que todas as crianças vivem. Hoje pude vivenciar a ansiedade de se conhecer a professora pela primeira vez, o desejo de ver a nova sala e de identificar a carteira onde a minha filha se vai sentar, a partir da qual se vai processar muita da descoberta do mundo, de onde vão ser colocadas muitas dúvidas e criados muitos projetos e onde vão ser dispostos os livros e o material escolar comprados para operarem magia. Aprender é um ato mágico. E hoje todos os pais saíram da sala daquela escola grande descansados por saberem que os filhos e filhas estavam muito bem entregues. E todos os meninos e meninas voltaram para as suas casas com vontade de regressar. Hoje foi também o meu primeiro dia.
Guardamos sempre (e todos) este primeiro dia. O meu primeiro dia de escola foi fundamental porque aprendi a primeira das lições fundamentais. Os meus pais tinham acabado de se mudar para um sítio diferente e eu não conhecia ninguém. A minha mãe deu-me um beijo rápido, que tinha de ir trabalhar. Não dava para ficar comigo. E eu fiquei a olhar o recreio da escola. Cheio de meninas e de meninos. Com os pais ao lado. Lembro-me de ter tido uma vontade ténue de chorar, porque estava sozinha e porque não sabia o nome de ninguém e ninguém sabia o meu. Do nada, apareceu uma menina, a perguntar como é que eu me chamava. Tínhamos o mesmo nome:) E então, aprendi que a vida seria feita de momentos em que estamos a sós com os nossos medos e com as nossas inseguranças, mas que, com alguma sorte, haverá sempre um amigo por perto. Essa menina que veio ter comigo foi a minha melhor amiga durante esses anos. Quando acabou a quarta classe, ela e os pais foram para um lugar diferente e acabei por lhe perder o rasto. A vida também é feita destas elipses.
Que a escola seja um lugar lindo para a tua filha. Que sonhe muito e que aprenda que a escola será feita dos sonhos que ela quiser. Um abraço grande para ti.
Mar
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Obrigada Mar pelas tuas palavras cheias de carinho e pela partilha do teu primeiro dia. Aprendeste cedo que a vida tem momentos de grande solidão e de insegurança. Teve de ser e dessa forma. E quanto às amizades que fazemos, muitas delas vão e vêm, criando em nós tantas elipses quanto o número de amigos que tivemos. Sim, porque são raros os amigos eternos. Quem sabe, essa tua amiga da escola primária não te surpreende um dia destes no sítio mais inusitado. A vida tem destas coisas, destas coincidências como a de ambas terem o mesmo nome.
E espero que para a Vitória o percurso escolar seja sinónimo de muitas concretizações.
Beijinhos
Patrícia
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